segunda-feira, 10 de setembro de 2018

Novas escavações arqueológicas nas Arcadas do castelo

   Tiveram início há já algum tempo umas obras de construção / renovação num dos antigos caramanchões do castelo, onde existia uma sapataria.

Tapume a cobrir obras no Caramanchão 
   Embora o miolo do edifício tenha ido abaixo, a fachada continua em pé. Redes de protecção e um tapume protegem o interior de olhos mais curiosos, como os meus. A Câmara municipal de Braga não fez nenhum anúncio, deixando assim os habitantes da cidade sem perceber qual o destino de tal local e quando estará pronto.

   O que rapidamente se percebeu foi que no local se encontrava uma equipa de Arqueólogos a fazer algum tipo de trabalho. Por portas travessas viemos a perceber que se tratava de uma equipa de arqueólogos da Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho (UAUM) liderada pelo Sr. Professor Luis Fernando Oliveira Fontes. Falámos com o Sr. Professor mas infelizmente não pudemos obter muita informação, pois estavam numa fase muito inicial e teríamos que esperar até à divulgação do relatório oficial pela UAUM.

   Estando as escavações a serem realizadas numa parte do castelo de Braga, naturalmente ficamos muito interessados, pois novas evidências do castelo e das suas diferentes fases de construção ajudarão a perceber melhor a sua história. No entanto saimos bastante tristes e desiludidos por não termos conseguido qualquer informação.

   Afinal, o que poderá existir no interior daquele local de obra? Tentemos perceber o quadro geral e o porquê do nosso interesse.

Diário do Minho
   O quarteirão onde a obra se insere faz parte do local onde existiu o castelo medieval de Braga. Embora hoje em dia apenas a torre de menagem do castelo esteja completamente exposta e recuperada, existem outras partes do mesmo que se encontram no interior dos edifícios que dão, a saber, para Este (Praça da República), para Norte (Largo de São Francisco) e para sul (Largo do Barão de São Martinho).

Planta do "Bairro do Castelo"

Sobreposição do castelo.
   Desde 1905/06 que este bairro tem sofrido profundas alterações. Estando no centro da cidade, é natural que seja um local estratégico para o desenvolvimento económico e social do mesmo. Tal como no tempo em que o castelo estava em pé, ainda hoje em dia grande parte das pessoas, sejam eles habitantes ou turistas, confluem para este ponto, para depois se dirigirem para os muitos outros locais de interesse histórico.

   Temos neste local dois dos cafés mais emblemáticos de Braga, O Vianna e o Astória.

Café Vianna
Café Vianna
Café Astória
Café Astória
   Temos a muito conhecida Igreja da Lapa, que poucos saberão, utiliza a muralha da castelo como parede de suporte traseira.

Igreja da Lapa exterior

Igreja da Lapa interior

   Existiam duas dependências bancárias, uma companhia de seguros e até uma sapataria, que chegou a ser utilizada como sede de campanha para as ultimas eleições...

Antiga dependência bancária e Companhia de seguros

Antiga Sapataria 

Sede de candidato a eleições

    Outros comércios mais pequenos existe ainda, embora mudem de mão frequentemente. Duas tabacarias pequenas resistem ao passar do tempo (eram três). Na parte de trás das Arcadas existem vários locais, sendo o mais conhecido o Restaurante Silva

Restaurante Silvas

   Finalmente, virada para a Rua do Castelo está a antiga Escola Comercial de Braga.

Escola Comercial de Braga

Escola Comercial de Braga

   O tema de hoje tem a ver com as escavações arqueológicas que se iniciaram pouco antes das férias de Verão no Caramanchão esquerdo do antigo castelo.

   Esta edificação, juntamente com a sua congénere edificada no lado direito,datara de aproximadamente 1590 por Dom Frei Agostinho de Jesus (Bandeira, 2000b), podendo no entanto serem anteriores, erguidas no ano de 1500 pelo Arcebispo D. Diogo de Sousa (A.D.B. Registo geral. Liv. 330, fl. 331v, publicado por Maurício 2000, Vol. II, pp299).

Ilustração antiga do Campo de Sant'Anna com vista para as Arcadas

Ilustração antiga do Campo de Sant'Anna com vista para as Arcadas
Pormenor do castelo no Mapa de Braunio (1594)

   O Historiador Bracarense Luís Costa, escreve sobre este tema em 2008:

"A Arcada da Lapa"

A Alfândega, o Hospício para recolher os negociantes e Baluartes (Caramanchões ou Casas redondas) criados por Dom Diogo de Sousa, Arcada, mandada fazer e cobrir por Dom Rodrigo de Moura Telles, Capela de Lapa, mandada construir por Dom Gaspar de Bragança e Andar Superior, construído em 1874.


[...] Como complemento destas iniciativas, Dom Diogo de Sousa, estabeleceu junto à Porta do Souto e à Porta Nova de Sousa (hoje Porta Nova), Alfândegas, isto é, diz Monsenhor Ferreira nos "Fastos", "hospícios para recolher os negociantes (almocreves), que de fora vinham abastecer a cidade de géneros e mercadorias", obra meritória e previdente, dado que então a cidade não tinha albergues nem estalagens para os instalar.
De início os Caramanchões teriam a finalidade de ser complemento à defesa do castelo, pois nada mais eram que baluartes, por certo ameados e ligados entre si por uma galeria abobadada ogival, colocada junto à parte exterior da muralha de defesa do castelo. Os baluartes, caramanchões ou se quiserem casas redondas foram construídos, um no ângulo da Porta do Souto (hoje Largo Barão São Martinho) e o outro no ângulo do Largo do Eirado (Largo São Francisco), com a Alameda de Sant'Anna.

Ainda há anos se podia ver, na cafetaria do Café Vianna, parte dessa galeria e ainda hoje é visível nos sanitários da agência bancária ao lado da igreja da Lapa. Com o desenvolvimento das tácticas de guerra, tornaram-se obsoletos os baluartes pelo que a outro fim foram destinados. [...]
Luís Costa, In Internet, 2008


   Como podem perceber, apesar de existir uma pequena contradição acerca das datas, os Caramanchões pertenceram ao castelo, como uma adaptação posterior numa tentativa de se manter a par com as novas técnicas e tácticas militares, nomeadamente a introdução da pirobalística com canhões. O castelo, de estilo Gótico passava de um meio de defesa passivo para um meio de defesa activo, ou seja, podia prolongar o seu raio de defesa com os disparos dos canhões. O facto de terem sido construídos nos ângulos do recinto, provavam a ingenuidade militar da altura, pois permitiam o fogo a vários níveis (diferentes alturas a partir do chão), permitiam o fogo frontal, lateral e muito importante, o fogo cruzado. Infelizmente foi uma introdução muito tardia.

   Agora com esta breve explicação do local em questão, devo voltar ao assunto que me faz escrever esta entrada no Blogue; As escavações arqueológicas.

   Mas para isso vou ter de recuar ainda mais no tempo. Vou ter de voltar à Bracara Augusta

Desenho de César Figueiredo, fotografia do Blogue "Alfarrábios de Braga e seu termo por Evandro Lopes
   Bracara, como qualquer cidade no império tinha regras muito concretas a várias situações, principalmente no que se relacionava com os seus mortos. Durante todo o tempo em que a cidade esteve activa, os mortos eram colocados a descansar fora da cidade em locais próprios. Em cidades amuralhadas, como viria a ser o caso de Bracara mais tarde, a lei era clara; todos os mortos deveriam estar fora dos limites amuralhados das cidades. Eram colocados em locais próprio de culto, as Necrópoles que estavam colocadas nas vias de saída das cidades.

   De esta maneira, quem entrasse ou saísse da cidade poderia sempre recordar os que já tinham falecido. Era também uma maneira para que os falecidos não fossem facilmente esquecidos. O conceito de morte e pós vida Romano daria um artigo extremamente interessante.

   Braga, como colónia ou cidade comercial, localizada estrategicamente no noroeste da península ibérica era servida por várias vias. Sem entrar em demasiados detalhes, podemos dizer que de Bracara partiam 5 Vias ou Itinerários:
  • Itinerário XVI - BRACARA (Braga) a OLISIPO (Lisboa)
  • Itinerário XIX - BRACARA (Braga) a ASTURICA (Astorga) por LIMIA (Ponte de Lima)
  • Itinerário XVII - BRACARA (Braga) a ASTURICA (Astorga) por AQUAE FLAVIAE (Chaves)
  • Itinerário XVIII - BRACARA (Braga) a ASTURICA (Astorga) pela «Via Nova» (Serra do Gerês)
  • Itinerário XX - BRACARA (Braga) a ASTURICA (Astorga) per loca marítima
Evolução da Paisagem Urbana, Sociedade e Economia; Urbanismo e arquitectura de Bracara Augusta
Manuela Martins; Jorge Ribeiro; Fernanda Magalhães; Cristina Braga
.   As necrópoles de Braga são um tema bastante estudado, faltando no entanto muita informação por recolher e ser estudada. Até à bem pouco tempo, a Necrópole da Via XVIII era bastante desconhecida e raramente era assinalada ou estudada na literatura sobre o assunto.No entanto, sabia-se que existia...

   Vejamos;

  •    Em 1994 foi efectuado o acompanhamento arqueológico dos desaterros realizados na Avenida da Liberdade para a construção do túnel rodoviário de ligação à Avenida Central. Foi identificado um núcleo de sepulturas Romanas de incineração que se integrariam na Via XVIII. Dirigida pela UAUM e pelo GACMB foi-lhe atribuído o código BRA94AVL.



  • Também em 1994 foram identificadas algumas sepulturas de incineração na Avenida Central, em frente ao Banco de Portugal. Estes achados ocorreram no decorrer do acompanhamento dos desaterros destinados à construção de um parque de estacionamento subterrâneo. As sepulturas estariam associadas a uma necrópole até então desconhecida, a qual assinalaria a saída da Via XVIII do Itinerário Antonino (Via Nova). Esta interpretação parece reforçada pela descoberta de uma Ara dedicada aos Lares Viais, encontrada no início da Rua dos Chãos, cujo traçado poderá ter fossilizado o da antiga via Romana. Dirigida pela UAUM e pelo GACMB foi-lhe atribuído o código BRA94AVC
  • Graças ao Professor Sande Lemos podemos ler no artigo "Bracara Augusta, arqueologia urbana no fio da navalha, publicado na Revista "Mínia", Nº12 de 2014 o seguinte: 
[...]No interior do perímetro da antiga cidade Romana tardo antiga e medieval, graças à oposição firme da UAMM, foram raras as intervenções de empresas privadas.
Mas há pelo menos o caso das instalações da Seguradora Lusitana, no Largo de São Francisco, onde foram registadas sepulturas relacionadas com a Via Nova.[...].


  • Em 2007/8 foram efectuadas sondagens nos números 111 a 119 da Rua do Souto (actual loja da Benetton). Trata-se de um edifício localizado numa artéria implantada dentro do casco medieval, mas fora da malha urbana prevista para a cidade Romana. O facto de se encontrarem próximo de uma das vias do período Romano que saiam de Braga em direcção a Asturica Augusta (Via XVIII) determinaram a necessidade de se efectuarem trabalhos arqueológicos preventivos. Dos trabalhos realizados confirmou-se a existência de um solo profundamente afectado pela intensidade da ocupação nesta zona, principalmente no século XVIII, assim como vestígios de uma sepultura de incineração do período Romano. De parte do espólio constam abundantes fragmentos de faiança e cerâmica medieval (cinzenta escura) e dois potinhos de pasta beije, datáveis do século I / II EC
  1. Resultados: Foram plenamente confirmadas as suspeitas iniciais de um subsolo extremamente perturbado, pela intensidade de intervenções verificadas, principalmente a partir do Século XVIII. Identificaram-se vestígios de cerâmica de época contemporânea e medieval, a cotas diferentes. Finalmente detectaram-se vestígios de uma sepultura de incineração que continha dois potinhos de perfil em S e pasta beije. A existência e detecção deste importante vestígio fez com que se estabelecessem novos limites para a necrópole da Avenida Central, com a qual deverá estar associada.
  2. Código Nacional do Sítio: 30704
  3. Responsável: Armandino Baptista da Cunha

   Temos ainda um registo muito importante de uma testemunha presencial da destruição do castelo, Manuel Monteiro.
   
   "Resta ainda, para complemento do criminoso desacato, arrasar a ala septentrional. Certo que o picão e a alavanca devem n'ella dilacerar com a mesma ira e o mesmo pormenor até ao desnudamento da ossatura granítica do solo, que talvez esconda tumularmente, como a poente, misteriosos despojos humanos.
   Destino extranho ligou estes malfadados ossos, perseguidos mesmo no secreto recolhimento da morte, ao infortunio da veneravel cidadella, inoffensiva e já sem vida desde que o aperfeiçoamento da guerra tornou inutil a sua altiva e sympathica missão de abrigo e defeza, para serem arrojados juntamente pelo mesmo impeto de insania ao anniquilamento e á dispersão eterna das coisas."

In "A Cidadella de Braga, VII - Palácios, Castelos e Solares de Portugal"; Manuel Monteiro, Maio de 1906, Publicado em "memórias" pela Assembleia Distrital de Braga, Aspa, 1980, pp 71-75


Destruição do castelo 1905 /1906
   Vejamos então num pequeno mapa estas ocorrências:


  1. Núcleo de sepulturas Romanas de incineração (BRA94AVL)
  2. Sepulturas de incineração na Avenida Central (BRA94AVC)
  3. Registadas sepulturas relacionadas com a Via Nova (Artigo Prof. Sande Lemos)
  4. Vestígios de uma sepultura de incineração do período Romano (CNS30704)
  5. Escavações actuais no Caramanchão do castelo de Braga
  6. Bairro do castelo de Braga - Restos humanos lado poente (Artigo Manuel Monteiro)
  7. Necrópole Romana
  8. Necrópole Romana
  9. Necrópole Romana
  10. Via XVIII ou Itinerário XVIII Antonino
  11. Muralha Romana

   É no meu entender que no local foram encontrados novos vestígios da necrópole da Via XVIII, além de, naturalmente, outros vestígios de outras épocas. Mas a razão de tanto secretismo, de tanta ocultação deve-se, novamente no meu entender, ao facto do prédio pertencer a um particular e já existir um plano aprovado para a construção de um local destinado ao turismo. Estas escavações correm a cargo do proprietário, que apesar de se poder candidatar a certos fundos para compensar o tempo perdido, não vê qualquer tipo de benefício por ter este tempo de obra parado e não vê como beneficiar na correcta preservação dos possíveis vestígios encontrados. Tanto o Proprietário como a Municipalidade, como a própria população local só consegue ver os lucros imediatos. Não há uma cultura de visão a médio longo prazo. 

   Estar a divulgar estes achados pode comprometer o futuro imediato, pois pode sensibilizar a opinião pública e fazer força junto ao Município para mudar de estratégia. Apesar de ser UAUM a encarregada dos estudos, esta está sujeita a políticas internas e a cenários estratégicos que eu, como cidadão comum não percebo. Qualquer Arqueólogo, qualquer Historiado, qualquer cientista luta por ver o seu trabalho divulgado e luta pela preservação do bem comum. Não estamos a falar da descoberta da Arca da Aliança nem estamos a falar da descoberta do túmulo secreto do Rei Tutmosis XVII que emigrou para Portugal à procura de novas oportunidades de trabalho.

   Se olharmos para dentro do nosso pais vemos como a diário são publicadas notícias ou pelo menos fotografias com breves descrições dos achados e trabalhos realizados. Seja em Jornais, Facebook, Twitter ou Instagram, vemos maravilhados como um mundo esquecido é trazido de volta e sentimos, mesmo à distância, que somos participantes desse novo mundo.

Foto publicada no Site da Câmara Municipal de Lisboa

https://sicnoticias.sapo.pt/pais/2018-07-25-Cemiterio-medieval-encontrado-em-Lisboa

http://www.cm-lisboa.pt/viver/higiene-urbana/noticias/detalhe-da-noticia/article/cemiterio-medieval-descoberto-no-poco-do-borratem

Revista Sul Informação

http://www.sulinformacao.pt/2018/02/escavacoes-arqueologicas-na-colina-do-castelo-em-ourique-fazem-surgir-mais-perguntas-que-respostas/

Facebook Fundação Cidade de Ammaia
https://www.facebook.com/CidadeRomanaAmmaia/

   Que quer a Câmara Municipal de Braga? Que quer o poder político, seja que cor for? Não estamos a falar só de agora. Não tentem culpar os executivos, seja o presente sejam os anteriores... Já vimos, que a história repete-se pelo menos desde 1905.

   É o público que não se interessa? O povo só quer festas? Se não educamos a nossa Comunidade a pensar e perceber que aprender e conhecer o passado é a melhor maneira de planear o futuro nunca teremos a oportunidade de realmente evoluir como seres humanos completos.

   Não são apenas os prováveis vestígios Romanos, mas tudo o resto que lá está presente das ocupações posteriores... Incluindo novos dados sobre o castelo.

   Deixo as palavras de alguém que, ao contrario de mim, é considerado sábio e é respeitado por todos; o Professor Sande Lemos.

   Façam chegar a palavra a quem de direito. Lutem pelo conhecimento e pelo saber, lutem pela cultura do povo, mas principalmente, lutem pela vossa Memória! Espalhem a palavra!


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